segunda-feira, 13 de junho de 2016

Alma Cativa
Marcos Mendes

            Perto da noite, o brilho vacilante das luzes distantes, emoldura pouco a pouco a silhueta da cidade.
            A brisa leve me traz murmúrios da sinfonia urbana, enquanto me abrigo neste recanto de mundo, de olhos perdidos, porém serenos, vagando pelas sombras que o crepúsculo desenha.
            A doce solidão que me agoniza, é a sina que a vida propõe, o martírio das ausências, a paz silente do anoitecer.
            Uma vaga mais forte espalha a espuma nas pedras, como se quisesse chamar minha atenção.
Porém minha mente está longe, minha alma está solta no meio das cores luzentes... ora vai ao céu e se deixa escorregar entre as nuvens, ora vai às janelas, para se encantar com as luzes, tentar descobrir os mistérios por detrás das cortinas.
Já não tenho noção do tempo, tenho medo de olhar o relógio. Pode ser que ele me convide a voltar; quem sabe até tenha o atrevimento de lembrar um compromisso esquecido ou sugerir algo além dessa languidez que me acalenta.
Parece que ninguém entende,.. parece que ninguém sabe... só os poetas ou aqueles que abandonam a si mesmos, conseguem perceber a dor e o prazer destas horas.
É como um gozo profundo, um parto dolorido de uma vida que morre para dar vida à vida. Vida que se acasala ao sonho para que nasçam as palavras, para que a poesia exista, para que sobrevivamos à própria vida.
O frio me abraça como se quisesse me aquecer. Então sinto um calor que desce ao espírito e encolhe meu corpo... e deixo-me sequestrar por meus pensamentos, cativo de mim... esquecido em algum lugar... de frente para uma lareira... dialogando com as notas de um doce trompete, narrando a história de um amor.
O som irritante de um mero bip, faz com que um leve tremor beije minha pele por cima da camisa... é o grito da realidade que, odiosamente, atrapalha o cântico do silêncio.
Quase quero morrer, porque o mundo invade meu diálogo com o horizonte, grita mais forte que o trompete amante, rasga as nuvens e cerra as cortinas. Tira-me do cativeiro, para me aprisionar ao agora, ao tempo, a tudo que me fez fugir para aquele lugar.

Percebo o cruel relógio, que insiste em falar de tempo, que olha para meus olhos e diz... que é hora de voltar.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

     Por cada curva da vida, me abracei à surpresa, para sorrir com seus gracejos ou chorar com as dores que me ofereceu.
     Mas o tempo mostrou-se amigo e me apresentou a resignação.
   Como foi difícil conviver com essa nova companheira, porque o coração do homem é bravio (ou será imprudente?), tende a correr para a morte, enfrentar o desafio, numa ânsia de desvendar o que não se pode conhecer.
     Então, o amigo tempo foi levando meus passos ao encontro de uma nova amiga: a experiência. E ela me mostrou que viver com a resignação, não é fazer morada na fraqueza ou tornar-se impassível, insensível ou sem vigor. É dar à luz da vida o contentamento, filho da fé e da esperança.
     Como o tempo nos faz crescer, quando ouvimos os sussurros do passado, refrescando nossa memória como a brisa matinal. Assim, já não nos desesperamos com as artimanhas da surpresa, mas aprendemos a responder mansamente: "O Senhor sabe tudo!"
     A fé nos arrebata da terra e nos faz enxergar mais longe. E, à medida que o tempo passa e a fragilidade nos alcança o corpo, torna-se mais fácil saber que todas as coisas, realmente cooperam para nosso bem. E como seria bom que os jovens compreendessem essa verdade que muitos velhos já não querem crer!
 Existem situações que são inexplicáveis para nós. Doem, angustiam, machucam. Sofremos, choramos e massageamos o coração como a um membro cansado e dolorido pelo esforço contínuo. 
    Não raro, passam despercebidas como fatos que moldam nosso caráter, testam nossa resistência, ensinam-nos novos caminhos, portanto, são muito mais relevantes por seus benefícios do que pela dor que nos causam.
     Nossa grande luta é não nos deixar ficar na surpresa, todavia, saber que o Senhor sabe tudo e tem o controle da história.
     "Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos coração sábio."  

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Às Antigas

     O sopro frio vespertino, cochicha a manhosa madorna que me toma o corpo, brigando com a inquietude da mente... onde andará o perfume que embriagou os olhos quando se contrapôs à luz pálida do quarto?
      Como paga me deixou a saudade e saiu como chegou... em silêncio... sorrateira como uma folha que pousa suave sobre a grama molhada.
     Sequer se importou com o olhar silente que beijava o horizonte e a lágrima contida como um sentimento que se esconde atrás da cortina... onde está o sussurro que espalhou pelo ar o arrepio de um beijo, toda a provocação dos sentidos?  
            Ainda posso desenhar em meu sonho a doçura daquele momento... perdido entre as árvores lá fora... como se buscasse completar uma obra irretocável... no afã de reencontrar o caminho para aqueles braços.
            A chuva já não pode imitar teus beijos que me molharam a boca... o tempo quedou-se quieto para me permitir ficar ali... na penumbra do teu aconchego... esquecido da vida, num delírio em azul... como céu noturno em festa.
            A tarde então se vai... como a vela que se perde na imensidão das curvas do mar... levando meu coração para longe.
            Porém a noite em chegança, grita meu nome pela rua, me arrastando de volta para o quarto... me prende à janela como os braços de uma amante... buscando por teu olhar.
            Vem... alimenta meu peito faminto, me alucina com teus carinhos.... e corre de mim em sorrisos, como a criança que foge na esperança de ser alcançada.
            Deixa que eu te dê meu colo e te ofereça meu braço em um passeio às antigas, entre as flores das bougainvilleas e as cores das roseiras... como duas almas tomadas pela essência do amor.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Um beijo

O teu olhar negro me consome em desejo, quando acompanha teu sorriso manso e me permite escorrer por teus seios, na generosidade da blusa entreaberta que me provoca.
Teu cabelo emoldura tua face no rubor dos meus elogios, enquanto sabes que me tens nas mãos e que me lançaria ao mais tresloucado devaneio para possuir tua boca em um beijo.
Um beijo, nada mais que um beijo. 
Onde nossas línguas saboreassem o sabor do mais insano prazer, completamente despudorado e louco, algo que inebriado e inebriante, que nos levasse a nos consumir em chamas.
Um beijo onde atrevidos nos lançássemos à doce aventura de a cada peça despida, explorar os recanto do corpo, escutando cada suspiro como a sinfonia de nossa agonia.
Um beijo, nada mais.
           Que me fizesse deslizar por teu pescoço, manso, como quem se delicia com uma fruta em seu aroma.
Que me levasse a roçar teus mamilos com meus lábios, e te sentir puxar meus cabelos contra teu peito ofegante, pedindo para engolir tua chama e calar este grito que explode.
Que nos deitasse sobre uma relva de sedas, entremeando nossas pernas, rolando sobre nossas vontades, rompendo os laços de nossa vergonha.
Que me deixasse ordinário, um animal sedento que caça tua fonte em prazer, que se perde por entre o calor e as formas de tuas entranhas.

Um beijo, nada mais que um beijo.
Um beijo onde eu te rodeasse de tantos outros beijos e te abraçasse por trás, ébrio com tuas formas, envolvendo-te qual uma concha, protegendo-te de tudo que temes.
           Um beijo onde pudéssemos nos encaixar em nossas formas e gritar aos lençóis de alegria, de mãos dadas num tremor infindo de morte... enquanto teu olhar me consome e me faz adormecer junto a ti.