segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Vulto

Largo-me preguiçoso sobre a cadeira, numa doce agonia de morte.
A brisa fria da hora que já nem sei, chega trazendo consigo os sons de muitas vozes abraçados aos sons da rua... seria uma música ou a cantilena em lamento de uma alma sozinha?
Talvez seja o silêncio do vulto que, sentado no banco, olha as marolas do lago escuro, enquanto um pintassilgo aventura-se no galho frágil de uma árvore nua.
É como se não houvesse mais tempo e tudo fosse uma espera paciente, onde a dor caminhasse ao largo, companheira de cada esquina.
Não quero sair da varanda, onde o roupão me agasalha e me aventuro pelas ruas, olhando para as pessoas como objetos vestidos pesadamente, como pontos que correm por uma via molhada, um reflexo frenético da dança colorida dos neóns na tarde de Natal.
Sei que a busca é vã... sei, só sei...
Mas eu não posso calar o suspiro que me rasga as entranhas, quando o calor de teu corpo invade atrevido a lembrança... ah! Tu me beijando a boca, tresloucada e ao mesmo tempo tão suave...
Eu desmorono... me torço de cócegas com teu sorriso maroto... me lambuzo do teu prazer...
Eu me encanto com tua loucura... me deixo guiar por tua mão... enferveço nas tuas palavras desconexas...
Me deixo morrer em tua pele... como um ferro em brasa que marca... que permanece para sempre...
Quero morder teu pescoço... sugar cada gemido teu... experimentar cada um dos teus gostos, como temperos de longe...
Quero desvairar-me contigo... como um sol que nos enche a vida... como a onda que lambe a praia... como o dia que vai morrendo.
Então me desperto do sonho... perdido por entre as marolas... como o vulto silente no banco.
Me escondo por entre as dobras do roupão... enquanto a saudade brinca com meu coração.